Do que estamos falando quando dizemos “Jogo Responsável”? A esta pergunta cabem outras ainda mais básicas. A primeira: que jogo é esse que precisa ser responsável? Trata-se do jogo de azar, uma atividade lúdica específica que envolve apostas.

E por mais óbvio que pareça, o que é uma aposta? Apostar é empenhar algo de valor na previsão do resultado de um evento futuro. Esse resultado não depende de quem fez a aposta — ou, se depender, é apenas em parte, já que está amplamente condicionado ao acaso.
Se o apostador acertar sua previsão, ele recebe de volta o valor empenhado, com um acréscimo previamente estabelecido, pago pela outra parte, a chamada “banca”.
Então, desde já, vamos entender algo importante: apostar é um entretenimento, e para o apostador padrão, jamais será uma fonte de renda. Apostar é uma brincadeira — mas é brincar com algo sério, com o próprio dinheiro.
A rigor, a única coisa 100% responsável a se fazer em relação ao jogo de azar seria não apostar. Mas vá lá, nem sempre as pessoas querem ser sérias o tempo todo. Quem aposta de forma lúdica costuma justificar isso como uma oportunidade de se relacionar, provocar os amigos de forma saudável, encarar um desafio e viver uma emoção.
Se essa for sua escolha, certifique-se de que:
Você nunca teve problemas com apostas.
Nunca perdeu o controle.
Nunca ficou remoendo resultados ou sentiu necessidade de voltar para recuperar dinheiro perdido.
Você não está usando as apostas como fuga emocional.
Não há histórico na sua família de pessoas com dificuldades com o jogo.
Por que tanto cuidado? Porque apostar é um formador de hábito, como o uso do tabaco. Pode ser apenas um hábito... ou, em pessoas vulneráveis, evoluir para uma compulsão ou dependência.
A dependência não é só uma questão de força de vontade. Ela envolve fatores psicológicos, sociais e genéticos. Ou seja, ninguém nasce jogador compulsivo, mas pode herdar uma vulnerabilidade maior de pais ou mães com esse histórico.
O termo mais exato seria “jogo de baixo risco”, mas o termo consagrado é Jogo Responsável, que se refere a um conjunto de práticas para reduzir os riscos associados às apostas.
Mas ainda cabe uma última pergunta: responsabilidade de quem?
O modelo atual aposta na ideia da decisão informada: se o indivíduo estiver bem informado, será capaz de tomar a melhor decisão para si. Só que estamos lidando com uma compulsão. Quem já conviveu com pessoas compulsivas sabe: com o tempo, elas sabem que o jogo só traz prejuízos, mas continuam jogando.
Informar é importante, mas não é suficiente.
Esse foco excessivo na informação interessa à indústria — porque, depois de “prestar todas as informações”, ela se isenta da responsabilidade, jogando tudo nas costas do apostador. Mas isso não é verdade. A responsabilidade deve ser compartilhada entre três partes: o regulador, a indústria e o jogador.
Hoje, a publicidade é sem limites. Menores de idade são expostos continuamente a anúncios durante partidas esportivas — momentos que deveriam ser de diversão em família. Isso é responsabilidade do regulador.
Já a indústria insere elementos predatórios nos jogos. Exemplos:
Permitir escolher os números em sorteios, criando uma falsa sensação de controle.
Incluir botões que “param” roletas em jogos online, sugerindo que o usuário tem alguma influência no resultado.
Além disso, é necessário oferecer ao apostador ferramentas de autocontrole, como:
Listas de autoexclusão.
Definição prévia de tempo e dinheiro a serem empenhados.
Menores de idade devem ser terminantemente impedidos de apostar. Seu cérebro ainda está em formação e é particularmente vulnerável a vícios.
Por fim, quem já é afetado pela compulsão precisa ter acesso fácil e gratuito ao tratamento efetivo garantido pelo SUS, como previsto pela Constituição.
Só assim, enquanto sociedade, poderemos dizer que somos verdadeiramente responsáveis diante do desafio do jogo de azar.
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